“Empreendedorismo e inovação” foi o tema que dominou as reflexões do segundo painel, que contou com cinco oradores, nomeadamente Samuel Alexandre, Fundador da MozaHydroponic; João Gaspar, Associação das FINTECH; Marta Uetela, Designer Industrial e fundadora da Baaike; Francisca Noronha, AMJIGE (She is Hacking); e Jains Muzazaila, da Associação Geração Saudável (AGS). A moderação esteve a cargo de Igor Sambo, Consultor em Estratégia Digital e Inovação.
As reflexões deste painel demonstraram que Moçambique já conta com empreendedores jovens a operar em áreas inovadoras e estratégicas para o futuro do país, especialmente na intersecção entre sustentabilidade, tecnologia e inclusão. No entanto, os jovens entendem que para sustentar tais iniciativas, é importante fortalecer o ecossistema, promovendo acesso ao financiamento, simplificando a burocracia, disseminando formação técnica e criando redes de mentoria e incubação.
Samuel Alexandre, Fundador da MozaHydroponic, sublinhou que o empreendedorismo não deve ser visto apenas como alternativa de negócio, mas como motor de desenvolvimento económico e inovação juvenil. A MozaHydroponic actua na área agrícola, adoptando a hidroponia – cultivo sem solo com uso de solução nutritiva em água – como resposta às mudanças climáticas e à necessidade de poupança de recursos hídricos (redução de até 90% do consumo de água).
A iniciativa não só gera produção sustentável, como também envolve adolescentes entre os 10 e 21 anos em competências de empreendedorismo e literacia climática, preparando-os para o futuro e fomentando a criação de postos de trabalho. Além da formação técnica, a Moza Hydroponic oferece oportunidades de estágios profissionais, preparando os jovens para se tornarem futuros empresários ou profissionais altamente qualificados. O enfoque é, sobretudo, nas populações mais afectadas pelas mudanças climáticas — crianças, adolescentes e mulheres — capacitando-as para criar soluções e gerar rendimento de forma ambientalmente responsável.
Marta Uetela, Designer Industrial e fundadora da Baaike, inciou a sua intervenção com uma pergunta simples: “Para onde vai uma garrafa de plástico descartada?” E respondeu que grande parte dos resíduos plásticos no país acaba no mar, dada a fragilidade da rede de saneamento e a falta de infra-estruturas de reciclagem.
Marta apresentou a sua trajectória como designer industrial e empreendedora, transformando plásticos recolhidos, incluindo redes de pesca abandonadas, em quadros de bicicletas. O projecto não se limita à produção de bicicletas, mas propõe a criação de uma indústria local, promovendo competências técnicas, reciclagem e economia circular. Por cada quadro produzido, são retirados cerca de 13 kg de plástico do mar e zonas costeiras. O modelo alia sustentabilidade ambiental à geração de emprego e formação de jovens, evidenciando o potencial das soluções circulares no desenvolvimento económico sustentável.
Jains Muzazaila, da Associação Geração Saudável (AGS), falou do projecto Eco-Youth, uma iniciativa apoiada pelo CESC através do Programa IGUAL e que responde a dois problemas críticos na cidade da Beira, designadamente o desemprego juvenil e a má gestão de resíduos sólidos. A iniciativa sensibilizou mais de 4.000 famílias e capacitou 200 jovens em gestão sustentável de resíduos, dos quais 50 transformaram ideias em microprojectos concretos. Mais do que transmitir conhecimentos técnicos, o Eco-Youth criou um espaço onde os jovens puderam identificar recursos nas suas próprias comunidades e convertê-los em oportunidades de negócio, dentro de uma lógica de economia circular.
A formação intensiva – condensada de três meses para uma semana – foi um exercício de adaptação e prática imediata que proporcionou aos jovens não apenas competências de empreendedorismo, mas também confiança para se afirmarem como agentes activos nas suas comunidades. A iniciativa tem proporcionado aos jovens do ensino básico, médio e alguns jovens licenciados, a primeira oportunidade de conceber e implementar soluções locais, demonstrando que é possível transformar limitações em alternativas sustentáveis, adquirindo competências práticas diante das necessidades do mercado.
Um exemplo é o de Estevão, jovem apoiado pelo projecto e que, após a formação, recebeu material de trabalho e financiamento inicial para arrancar o seu negócio de recolha e compra de sucatas. A iniciativa cresceu, passando de um para quatro trabalhadores jovens do bairro. Estevão afirma que evolveu os jovens para garantir a sustentabilidade e a continuidade do projecto, mesmo em situações adversas.
Francisca Noronha, da Associação Moçambicana de Jovens pela Igualdade de Género e Educação (AMJIGE), também centrou a sua intervenção no projecto She is Hacking, apoiado pelo CESC através do Programa IGUAL. Trata-se de uma iniciativa que contribui para a desconstrução dos estereótipos que afastam as mulheres das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Embora historicamente invisibilizadas, as mulheres sempre desempenharam papéis relevantes na inovação e no desenvolvimento tecnológico, defende Francisca Noronha. A iniciativa da AMJIGE opera num espaço de forte simbolismo – o Mercado do Estrela, em Maputo, um local predominantemente masculino, para mostrar que a tecnologia não é exclusiva de formações académicas formais, mas também de saberes práticos, curiosidade e capacidade de inovação.
Ao treinar jovens universitárias em reparação de telemóveis e computadores, programação, segurança digital e uso consciente das redes sociais, o projecto não só cria oportunidades reais de inserção socioeconómica, como também rompe com barreiras de género num sector tradicionalmente reservado aos homens. O impacto vai além do acesso a ferramentas técnicas, representando para muitas jovens a primeira experiência de liderança, reforçando a confiança para enfrentar limitações sociais, económicas e culturais. Esta iniciativa demonstra que a criação de redes de apoio, espaços de aprendizagem prática e oportunidades de inserção no mercado são fundamentais para fortalecer a participação socioeconómica e sociopolítica da juventude.
João Gaspar, da Associação das FINTECH, abordou a evolução das fintech (tecnologias financeiras) em Moçambique, explicando o seu papel como catalisadoras de inclusão financeira. Exemplos como o M-Pesa demonstram como a tecnologia pode resolver problemas concretos, como o envio seguro de dinheiro para zonas remotas. O painelista sublinhou que toda inovação de sucesso parte da capacidade de identificar e responder a necessidades reais da comunidade e que para os jovens, o sector das fintech representa uma oportunidade única de inserção no mercado de trabalho e de criação de empresas próprias.
Entretanto, Gaspar alertou para as barreiras regulatórias que dificultam a inovação, como a proibição do uso de serviços em cloud no sector financeiro, o que limita a capacidade de jovens empreendedores desenvolverem soluções de baixo custo. Nesse sentido, destacou a importância de reformas e de instrumentos como o Sandbox regulatório, que funcionam como espaços de transição entre universidades e o mercado, permitindo a jovens com boas ideias experimentar projectos em ambiente controlado.
O painelista reforçou que a juventude precisa de ser preparada não apenas para procurar emprego, mas também para criar soluções próprias, aprender a falhar e ajustar, desenvolvendo resiliência, criatividade e visão empreendedora. Muitos jovens, incluindo licenciados, já estão a sustentar famílias através do sector informal e de iniciativas inovadoras, mas precisam de maior valorização, capacitação e acesso a financiamento. Assim, a experiência das fintech mostra que a juventude pode ter um papel central na modernização da economia, criando soluções sustentáveis que promovem inclusão financeira, inovação social e geração de riqueza.

Segundo orador do primeiro painel, Américo Maluana inciou a sua intervenção destacando que para integrar as preocupações da juventude nas políticas públicas é essencial compreender a diversidade interna deste grupo. Alertou que a juventude moçambicana não é homogénea, pois há diferenças profundas entre jovens urbanos e rurais, e desigualdades regionais que influenciam as oportunidades de desenvolvimento. Apontou para dados preocupantes: Cerca de um terço dos jovens são analfabetos, apenas 18% possuem escolaridade acima do nível primário e somente 1,5% têm formação superior. Além disso, a exclusão digital limita a participação: Apenas 13% dos jovens têm acesso à Internet.
Outro problema é a baixa representação política dos jovens. Maluana fez notar que desde a introdução do multipartidarismo, a presença de jovens no Parlamento e no Executivo tem diminuído, situando-se actualmente abaixo de 10%. Considerou urgente que os partidos políticos abram espaço à participação efectiva da juventude, não apenas como eleitores ou militantes, mas também como decisores e formuladores de políticas.
“A precariedade social e económica da juventude é um risco para a estabilidade política”, alertou, defendendo a necessidade de reformar e revitalizar os mecanismos institucionais existentes para participação juvenil. A integração dos jovens deve ser acompanhada de políticas de habitação e acesso à terra compatíveis com a realidade económica da maioria. Outro alerta: “Os quatro milhões de novos eleitores previstos até às próximas eleições representam um desafio e uma oportunidade para fortalecer a democracia. A participação juvenil deve ir além da retórica, exigindo acção concreta e inclusão real nos espaços de decisão”.
Américo Maluana enfatizou que os problemas da juventude são transversais e demandam maior coordenação intersectorial na formulação de políticas públicas. Defendeu a utilização de metodologias participativas, como grupos focais de discussão a nível das comunidades, para hierarquizar prioridades conforme o contexto. Sublinhou a importância de extrair lições das experiências acumuladas para aperfeiçoar intervenções e promover uma governação mais horizontal, que envolva múltiplos actores e seja sensível às contribuições dos diferentes grupos sociais.

Sob a moderação de Delma Comissário, Consultora para Mobilização, Engajamento e Advocacia no CESC, o primeiro painel teve como oradores o sociólogo e pesquisador João Feijó e o jovem pesquisador Américo Maluana, e discutiu a “Juventude, Finanças Públicas e Políticas de Acesso à Terra, Capital e Habitação”. Na sua intervenção, João Feijó usou a metáfora das “bombas-relógio” para alertar que Moçambique enfrenta dois choques convergentes – a bomba demográfica e a bomba climática, cujos efeitos combinados poderão tornar a vida das gerações futuras substancialmente mais difícil. Segundo o orador, se não forem implementadas reformas económicas e sociais profundas, o impacto combinado destas dinâmicas poderá comprometer gravemente o futuro das novas gerações, especialmente da juventude, afectando o emprego, a segurança alimentar e a coesão social.
O sociólogo João Feijó destacou que, historicamente, Moçambique sempre foi um país jovem, e que a juventude tem estado na linha da frente de mudanças sociais e políticas — desde a luta de libertação, à participação em movimentos de protesto contemporâneos. No entanto, o problema não reside na juventude em si, mas na economia política nacional, que mantém elevadas taxas de fecundidade (cerca de cinco filhos por mulher) e não consegue integrar a população crescente no mercado de trabalho.
Com recurso a projecções demográficas, mostrou que a população moçambicana poderá atingir cerca de 80 milhões de pessoas até 2050, com taxas de pobreza que, mesmo nas estimativas mais optimistas, rondariam 50%. Tal cenário significaria mais de 30 milhões de pessoas em situação de pobreza e cerca de 20 milhões em insegurança alimentar, criando um ambiente propício a instabilidade social e ao recrutamento por grupos armados.

A Embaixadora Elsbeth Akermann destacou que as “Iniciativas Juvenis” traduzem o compromisso da Embaixada do Reino dos Países Baixos com a juventude moçambicana e uma parceria de longo prazo. Congratulou-se com o facto de as “Iniciativas Juvenis” representarem uma oportunidade para que jovens desenvolvam talentos e proponham soluções para os desafios que identificam, ao mesmo tempo que salientou a importância de estruturas “feitas com os jovens e para os jovens”, capazes de representar as suas vozes nos espaços de decisão.
Referindo-se ao lema da conferência — Juventude(s) em Moçambique: Da exclusão sócio-política e económica à busca de alternativas de sobrevivência em contexto de "empreendedorismo" e “Inteligência Artificial”, a diplomata afirmou que esta colocação reflecte não apenas os desafios enfrentados por muitos jovens, mas também o enorme potencial de transformação existente nas mãos da juventude moçambicana. Expressou o desejo de que a conferência seja um espaço de troca de ideias e experiências, aprendizagem e, sobretudo, de construção colectiva e que dela surjam novos caminhos, soluções inovadoras e colaborações capazes de transformar realidades.
E uma das soluções inovadoras bastante apreciada pela Embaixadora Elsbeth Akermann foi a bicicleta feita maioritariamente com materiais reciclados, uma inovação apresentada pela jovem designer Marta Uetela. A diplomata descreveu a bicicleta como uma solução de mobilidade urbana amiga do ambiente, lembrando que no Reino dos Países Baixos cada pessoa tem no mínimo duas bicicletas.
A conferência teve a particularidade de realizar-se num ano em que Moçambique celebra os 50 de Independência, mas também os 50 anos de cooperação com o Reino dos Países Baixos, um facto referenciado pela Embaixadora. “Os jovens não são apenas o futuro der Moçambique, são o presente. O futuro de Moçambique está nas mãos dos jovens e espero que tragam toda a energia para o desenvolvimento do país”, defendeu a Embaixadora.
Cerca de 200 jovens oriundos de várias províncias do país participaram na Conferência Nacional da Juventude, uma iniciativa do CESC, organizada através do Programa IGUAL e projecto Pro-Cívico e Direitos Humanos, nos dias 12 e 13 de Agosto, na Cidade de Maputo. O evento que coincidiu com as celebrações do Dia Internacional da Juventude foi organizado com o objectivo de discutir e partilhar ideias, experiências, desafios que impedem a agência da juventude. Ideias inovadoras de integração da juventude nas esferas socioeconómico e política ao nível nacional ou local foram partilhadas por jovens apoiados pelo CESC (através do IGUAL) no âmbito das “Iniciativas Juvenis”.

Além de jovens, a conferência contou com a presença de diversas personalidades, com destaque para a Directora Executiva do CESC, Fidélia Chemane; Elsbeth Akermann, Embaixadora do Reino dos Países Baixos; Satu Lassila, Embaixadora da Finlândia; e representantes do Governo, sector privado e sociedade civil. As reflexões foram organizadas em quatro painéis temáticos, nomeadamente (i) Juventude, Finanças Públicas e Políticas de Acesso à Terra, Capital e Habitação; (ii) Empreendedorismo e Inovação; (iii) Inclusão e Diversidade; (iv) Cultura, Arte, Paz e Tecnologia; e (v) Educação e Competências para o Futuro.

“Juventude(s) em Moçambique: Da exclusão sociopolítica e económica à busca de alternativas de sobrevivência em contexto de "empreendedorismo" e “Inteligência Artificial” foi o lema que orientou a conceptualização dos painéis temáticos. No final, foi elaborado um documento de posicionamento inspirado nas reflexões feitas durante a conferência a ser depositado à consideração do Governo (através do Ministério da Juventude e Desportos) e à Assembleia da República. Além de dar a conhecer as principais preocupações levantadas pelos jovens, o documento de posicionamento pretende catalisar um movimento em torno de assuntos da juventude.
Na notas de boas-vindas, a Directora Executiva do CESC explicou que, além de ser uma oportunidade para apresentar os resultados das “Iniciativas Juvenis”, a conferência é um espaço de sociabilidade, troca de experiências e inspiração para todos os jovens que, com esforço próprio, resiliência e criatividade, contribuem para um Moçambique mais justo e igualitário.
Fidélia Chemane lembrou que 50% da população moçambicana tem menos de 17 anos e 80% tem menos de 35 anos, o que faz da juventude o segmento populacional que merece atenção prioritária do Governo, da sociedade civil, do sector privado e de todos os moçambicanos. Aliás, a juventude moçambicana enfrenta o que os académicos descrevem como realidade waithood, um estado de transição prolongada que suspende sonhos e aspirações, agravado pela falta de oportunidades económicas, de emprego, de educação de qualidade e de condições dignas de participação social e política.
Mas Moçambique não é apenas um país jovem pela composição demográfica, mas também pela sua história de apenas 50 anos como Estado independente, um marco que convida a pensar estrategicamente onde o país pretende estar nas próximas cinco décadas. “É nos jovens que devemos pensar quando avançamos em instrumentos de planificação estratégica. É nos jovens que devemos pensar quando pensamos a visão de Moçambique para os próximos 50 anos. É sobre os jovens que devem ser dedicados todos os nossos esforços de reflectir um Moçambique mais justo, igualitário de oportunidades para todas as moçambicanas e para todos os moçambicanos”, defendeu.
Sobre as “Iniciativas Juvenis”, Fidélia Chemane explicou que o projecto foi lançado pelo CESC em Março de 2025, com apoio da Embaixada do Reino dos Países Baixos, como uma aposta para testar se, com apoio e recursos adequados, os jovens seriam capazes de desenvolver ideias inovadoras, culturalmente relevantes e economicamente sustentáveis. Implementado nas províncias de Maputo, Sofala, Manica e Cabo Delgado, o projecto revelou experiências inspiradoras, com jovens LGBTQUIA+ a empreender em sectores criativos e gerar emprego; colectivos de jovens da KaTembe a formar incubadoras para mulheres vulneráveis; iniciativas digitais para a governação municipal e o engajamento político; projectos de reciclagem, reflorestamento e combate às mudanças climáticas; raparigas sobreviventes de violência baseada no género a desafiar estereótipos, formando-se em mecânica, reparação de telemóveis e informática, competindo em mercados tradicionalmente masculinos.